Maria Judite de Carvalho, As palavras poupadas, 3.ª edição, Lisboa, Seara Nova, 1973.
Início: O homem desbotado, obsequioso, mesureiro, abre a porta de vidro, imobiliza-a com o pé (é automática) - «Cuidado com o degrau, Madame» - curva-se um pouco para a deixar passar. Tem o grande embrulho redondo, toscamente feito com papel pardo, muito encostado em peito, protegido pela mão peluda, de unhas largas, uma das quais, a do indicador, está queimada pelo cigarro. Graça oferece-lhe em troca o seu estático, impessoal, quase invisível sorriso, e acha-se na rua, sob a chuva que cai, que desde manhã cedo ainda não deixou de cair, a perguntar a si própria por que motivo se sentirá sempre na obrigação de agradecer, de retribuir com sorrisos de várias espécies - quantos sorrisos tem! - as amabilidades e as indelicadezas. Aquele, o último no tempo, fica-lhe esquecido no rosto, subitamente gelado, indissolúvel no ar.
(Do conto "As palavras poupadas", p.9)
Preço: **Artigo Indisponível**
Sem comentários:
Enviar um comentário
Refira sempre o título da obra que pretende encomendar.